Era já alta madrugada quando ele entrou no bar, com uma porta, de onde era emitido um forte foco de luz que se espalhava pela calçada e pelo asfalto como se fosse um convidativo tapete, contrastando com a meia escuridão da rua iluminada pelas fracas lâmpadas dos postes. Havia aproximadamente oito mesas de metal com quatro cadeiras cada, ao fundo um velho balcão de fórmica, uma prateleira mostrando garrafas empoeiradas de bebida e uma antiga geladeira com as portas de madeira. Uma pequena parede escondia duas portas que conduziam aos banheiros, que o dono, na ânsia de demonstrar uma cultura que não possuía, escreveu em vermelho acima: “Mictório”, apenas pelo prazer de explicar para algum usuário ocasional que aquela palavra antiga significa banheiro, e que ele não era desses que se rendia a estrangeirismos como “WC” ou “Toalete”.
Além do dono do bar, que estava atrás do balcão, trabalhavam no bar uma cozinheira que gastava sua meia idade entre a gordura e o calor da cozinha e um garçom que tentava atender a todos, enquanto não estava conversando com algum cliente antigo, aliado desta irmandade ébria que se desfaz com os primeiros raios de sol. Apesar da hora o local estava cheio, duas pessoas que estavam em pé próximo ao balcão conversavam animadamente e somente duas mesas estavam vazias. Alguns na última cerveja da noite, outros, na primeira do dia.
Ele, ainda na porta, enquanto a vista acostumava com a claridade, passou os olhos pelo bar e dirigiu-se para uma mesa ocupada por três pessoas. Chegando perto, abriu os braços e disse alegremente, cheio de malícia e intimidade, para um dos ocupantes – um gordo ligeiramente calvo que estava calado:
– Meu considerado, há quanto tempo...
Os dois que conversavam calaram-se olhando para o recém-chegado e o gordo, que há anos desistira de ouvir as conversas alheias, emergiu do seu claustro interior a tempo de descobrir, através do bafo de cachaça emitido pelos dois, que alguma coisa acontecia. Olhou surpreso para aquele homem em pé ao seu lado com os braços abertos como se fosse o cristo redentor, sem reconhecê-lo.
O outro não perdeu tempo.
– Não está lembrado de mim?
O gordo olhou o outro de cima em baixo e voltou acima, forçou a vista.
– Sinceramente não.
– Da escola.
O gordo continuou calado, olhar perdido em algum ponto do passado, tentado encontrar algo. Balançou a cabeça negativamente.
O outro não se intimidou. Sentou na única cadeira vazia da mesa e apresentou-se aos três de uma vez.
– Meu nome é João.
Esticou a mão direita e cumprimentou os outros dois, colocando depois a mão no ombro do gordo.
– Não acredito que você se esqueceu de mim.
Fez um gesto com a outra mão para o garçom e pediu duas garrafas de cerveja.
– Vamos comemorar com uma cerveja nosso reencontro depois de tanto tempo – e pegando uma das garrafas foi enchendo os copos de todos na mesa.
Ele já angariava assim a simpatia dos outros dois, enquanto o gordo olhava para ele e para o chão ainda tentando reconhecer entre os rostos que lhe vinham à cabeça a imagem dessa pessoa que estava à sua frente sorrindo.
– Como vai sua mãe e a família?
Mas não deu tempo para ele responder; virou-se e perguntou o nome dois outros dois, e dirigindo-se novamente para o gordo:
– Que saudade de você cara.
Esta última frase desarmou definitivamente qualquer resistência, e fingindo reconhecê-lo, o gordo começou a conversar e perguntar o que ele estava fazendo da vida. Após quinze minutos de conversa e outras duas cervejas pagas por João já estavam todos íntimos.
Seguiu-se um intenso debate onde se reclamou dos baixos salários, da ineficiência e corrupção do governo, foi elaborado em conjunto um detalhado projeto para melhorar a segurança pública, que infelizmente só não mudou o destino do país porque foi interrompido pela chegada da porção de batatas fritas que João havia pedido. Foram citados trechos da bíblia em confronto com as ideias de um dos ocupantes da mesa, que era filho de pai de santo e, quando a discussão já começava a se radicalizar, o gordo interveio falando que time de futebol, mulher e religião cada um tem o seu e tem que respeitar o do próximo para poder ser respeitado, argumento este que causou impacto e admiração, sendo digno se ser anotado em um guardanapo, caso houvesse algum na mesa.
Passado mais algum tempo de conversa, onde se tentava descobrir o sentido da vida, o gordo olhou para o seu relógio e disse que estava na hora de ir para casa tomar um banho para pegar no trabalho. Chamaram o garçom, João pagou a conta, apesar dos fracos protestos dos demais. Todos se levantaram. João e o gordo se abraçaram fazendo promessas de um breve reencontro – ali no bar para colocar mais conversa em dia – e saíram cada qual para o seu canto.
A estratégia de João era simples e eficiente. Quando se sentia muito solitário ou angustiado, saía de sua casa e escolhia aleatoriamente um bar pela cidade, usando sempre a mesma abordagem que quase sempre dava certo. Quando era recebido com muita hostilidade, desculpava-se alegando uma confusão e procurava outro bar. Afinal, sempre há pessoas com vontade de jogar conversa fora e bebida dentro, enganar por mais um dia seu destino.
Além do dono do bar, que estava atrás do balcão, trabalhavam no bar uma cozinheira que gastava sua meia idade entre a gordura e o calor da cozinha e um garçom que tentava atender a todos, enquanto não estava conversando com algum cliente antigo, aliado desta irmandade ébria que se desfaz com os primeiros raios de sol. Apesar da hora o local estava cheio, duas pessoas que estavam em pé próximo ao balcão conversavam animadamente e somente duas mesas estavam vazias. Alguns na última cerveja da noite, outros, na primeira do dia.
Ele, ainda na porta, enquanto a vista acostumava com a claridade, passou os olhos pelo bar e dirigiu-se para uma mesa ocupada por três pessoas. Chegando perto, abriu os braços e disse alegremente, cheio de malícia e intimidade, para um dos ocupantes – um gordo ligeiramente calvo que estava calado:
– Meu considerado, há quanto tempo...
Os dois que conversavam calaram-se olhando para o recém-chegado e o gordo, que há anos desistira de ouvir as conversas alheias, emergiu do seu claustro interior a tempo de descobrir, através do bafo de cachaça emitido pelos dois, que alguma coisa acontecia. Olhou surpreso para aquele homem em pé ao seu lado com os braços abertos como se fosse o cristo redentor, sem reconhecê-lo.
O outro não perdeu tempo.
– Não está lembrado de mim?
O gordo olhou o outro de cima em baixo e voltou acima, forçou a vista.
– Sinceramente não.
– Da escola.
O gordo continuou calado, olhar perdido em algum ponto do passado, tentado encontrar algo. Balançou a cabeça negativamente.
O outro não se intimidou. Sentou na única cadeira vazia da mesa e apresentou-se aos três de uma vez.
– Meu nome é João.
Esticou a mão direita e cumprimentou os outros dois, colocando depois a mão no ombro do gordo.
– Não acredito que você se esqueceu de mim.
Fez um gesto com a outra mão para o garçom e pediu duas garrafas de cerveja.
– Vamos comemorar com uma cerveja nosso reencontro depois de tanto tempo – e pegando uma das garrafas foi enchendo os copos de todos na mesa.
Ele já angariava assim a simpatia dos outros dois, enquanto o gordo olhava para ele e para o chão ainda tentando reconhecer entre os rostos que lhe vinham à cabeça a imagem dessa pessoa que estava à sua frente sorrindo.
– Como vai sua mãe e a família?
Mas não deu tempo para ele responder; virou-se e perguntou o nome dois outros dois, e dirigindo-se novamente para o gordo:
– Que saudade de você cara.
Esta última frase desarmou definitivamente qualquer resistência, e fingindo reconhecê-lo, o gordo começou a conversar e perguntar o que ele estava fazendo da vida. Após quinze minutos de conversa e outras duas cervejas pagas por João já estavam todos íntimos.
Seguiu-se um intenso debate onde se reclamou dos baixos salários, da ineficiência e corrupção do governo, foi elaborado em conjunto um detalhado projeto para melhorar a segurança pública, que infelizmente só não mudou o destino do país porque foi interrompido pela chegada da porção de batatas fritas que João havia pedido. Foram citados trechos da bíblia em confronto com as ideias de um dos ocupantes da mesa, que era filho de pai de santo e, quando a discussão já começava a se radicalizar, o gordo interveio falando que time de futebol, mulher e religião cada um tem o seu e tem que respeitar o do próximo para poder ser respeitado, argumento este que causou impacto e admiração, sendo digno se ser anotado em um guardanapo, caso houvesse algum na mesa.
Passado mais algum tempo de conversa, onde se tentava descobrir o sentido da vida, o gordo olhou para o seu relógio e disse que estava na hora de ir para casa tomar um banho para pegar no trabalho. Chamaram o garçom, João pagou a conta, apesar dos fracos protestos dos demais. Todos se levantaram. João e o gordo se abraçaram fazendo promessas de um breve reencontro – ali no bar para colocar mais conversa em dia – e saíram cada qual para o seu canto.
A estratégia de João era simples e eficiente. Quando se sentia muito solitário ou angustiado, saía de sua casa e escolhia aleatoriamente um bar pela cidade, usando sempre a mesma abordagem que quase sempre dava certo. Quando era recebido com muita hostilidade, desculpava-se alegando uma confusão e procurava outro bar. Afinal, sempre há pessoas com vontade de jogar conversa fora e bebida dentro, enganar por mais um dia seu destino.
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