sábado, 15 de fevereiro de 2020

Ponto de vista

Muitos lutam para libertar os pobres de seus grilhões, outros agem para libertar os ricos de seus milhões! Armando foi uma dessas pessoas!
Ele tinha teorias e práticas controversas, mas acreditava que tinha pouco a perder e muito a ganhar sendo ele mesmo: pobre, preguiçoso e malandro. Para ele a vagabundagem não era só um estado de espírito, era um jeito de ser mais do que uma opção deliberada. Considerava a malandragem o último estágio na evolução humana, mas não esclarecia se era por ser a mais aprimorada ou desqualificada.
Acreditava ser fácil explicar porque no mundo havia mais pobres do que ricos: ser pobre é mais barato e mais fácil! Dizia ter nascido VIP (Very Indigent People) e não perderia sua importância. Criado num barraco em terreno de invasão, só tinha água corrente em casa quando havia enchente, fora isso era um calvário cotidiano para coletar o necessário líquido para as lides higiênicas e domésticas. Mesmo assim não perdia o humor e asseio que lhes eram característicos.
Não gostava de trabalhar para os outros, pois receber ordenado habilita a receber ordens. Preferia trabalhar para si com os outros, e assim desenvolvia as mais diversas atividades que não exigissem cumprimento de horários ou tarefas repetitivas.
Escapou do serviço militar obrigatório afirmando que ele não combinaria com armas e que a maior colaboração que poderia dar às forças armadas seria manter-se longe delas. A gritante e óbvia sinceridade ganhou a simpatia e cumplicidade do sargento responsável pelo alistamento e aturamento desta criatura por um ano e, pelo bem da pátria e de si mesmo, o militar o dispensou.
Aos 21 anos de idade desapareceu subitamente, preocupando parentes e amigos. Seu corpo só foi encontrado três meses depois, vivo, é bom esclarecer – aliás, muito vivo, se é que me entendem. De uma praia, que se recusou a revelar, voltou com o cartão de crédito estourado de um tio, e declarou ter muito caráter, o que lhe falta é memória, pois se esquecer de pedir emprestado e depois esquecer de devolver não é roubar.
Com todo este potencial para se tornar uma figura folclórica e querida, Armando faleceu aos 22 anos, enquanto ia comprar pão numa rua próximo de onde morava, atropelado por uma ambulância, mostrando como a morte pode ser tão sem graça e inútil quanto a vida.

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