sábado, 15 de fevereiro de 2020

Fim de festa

Quase todos já foram embora! O calor e a agitação se extinguiram, não há mais os diálogos rápidos sem possibilidade de profundidade, nem a eletricidade dos sons se cruzando no ar.
Pela noite já envelhecida saíram os últimos convidados prometendo encontros em breve, sem a intenção de fazê-lo. Tudo volta ao ritmo lento de uma rotina normal. Ficaram a dona da casa, eu e mais três amigos íntimos. A conversa, naturalmente, está mais cansada e mais verdadeira. Ainda sente-se no ar, dissipando-se rapidamente, a expectativa e o cheiro de suor misturado com perfume, característicos dessas reuniões.
Alguém come um sanduíche, serve mais uma bebida. A dona da casa tira os sapatos e, junto com uma amiga, faz uma pré-arrumação para aliviar o trabalho de amanhã. Limpa automaticamente uma mancha de bebida na mesa, pega um pedaço de bolo atrás do sofá. Outra pessoa ajuda, na solidariedade superficial das convenções, pegando dois pratos e um copo, levando-os para a cozinha e sentando-se depois para conversar. 
Soluções para os problemas do país e do mundo repousam no fundo dos copos sujos e os destinos corretos das vidas alheias se perdem inúteis entre os farelos dos pratos de salgados.
Há uma cumplicidade não combinada entre os que ficaram, criticando os já se foram, e enquanto a noite segue seu caminho leva consigo, para um tempo já passado, os resto de uma coisa chamada afeto, deixando no silêncio das horas tardias apenas o cansaço. 

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Baseado na crônica “Fim de festa, fim de livro”, do livro “Todo homem é minha caça” de Millôr Fernandes.

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